segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

Mil Escudos

                            6A23742907
                            Mil Escudos
                                  ch.12
         Lisboa, 6 de Fevereiro de 1992

podia jurar que já tive esta nota na
mão gostava mais das de cem (Bocage
sempre era poeta) um de nós nunca
esquecia bigodes e cicatrizes sobre

o seu carão moreno assinando o curto
nome pelo banco de Portugal nomeando
nosso Bocage governador por uns dias.

a nota de mil amanhã será como a
tangerina (há tanto tempo na terrina
caiu na classe dos frutos secos).

vem aí outro dinheiro (aposto: vai
ser azul) guardo esta nota antiga na
caixa da ilusão esta nota é um país
em vias de extinção

João Luís Barreto Guimarães, in 'Este Lado para Cima' 

domingo, 20 de janeiro de 2019

Acto de Contrição


Pela luz rara da garagem dois vultos 
vão pôr o lixo. São velhos desconhecidos. Um 
ao outro dão passagem (a 
máscara de um cumprimento) esquivos na 
escatológica arqueologia das misérias. 
Homens de lixo na mão: exímios 
a ocultar 
versos da vida doméstica (quando 
o gesto liso cabe ao avental abundante que os 
devolve a casa). Há 
em todo esse agravo uma redenção ferida 
(um juízo resolvido) como que um 
indulto lento. 

João Luís Barreto Guimarães, in 'Luz Última' 

sábado, 19 de janeiro de 2019

As Empregadas Fabris


Arregaçam a manhã (as empregadas fabris) 
pernas como tesouras 
recortando a calçada 
ferem o lenho da mesa com 
sortes 
de boletim. Uma sirene as trouxe aqui 
(às 
empregadas febris) 
ancas de esboço perfeito sob 
vestes de operária 
tocam umas nas outras como 
inda fossem meninas mas a 
delas que vai noivar já 
traz o primeiro a caminho. E 
quando o cigarro se apaga 
(ou a 
cerveja se escoa) o 
que resta é a dor da tarde 
que nem esta chuva afaga 

gasóleo dos rapazes que 
lhes cantam a cantiga e 
as tomam pela cintura. Um 
foguete fecha a festa 
(pelo lado de dentro da coxa) 
há nelas a incerteza de 
não saberem se são 
incompletamente infelizes. 

João Luís Barreto Guimarães, in 'Rés-do-Chão' 

sexta-feira, 30 de novembro de 2018

Decepção à Regra



Sentar-me e 
ver os outros passar é o 
meu exercício favorito. Entretém. 
Não esgota. 
É gratuito. Neste meu jogo-do-não 
são os outros que passam 
(é aos outros que reservo a tarefa 
de passar). Lavo daí os pés. 
Escrevo de dentro da vida. 
Pode até parecer que assim não 
chego a lugar algum mas também quem 
é que quer ir 
ao sítio dos outros? 

João Luís Barreto Guimarães, in 'Luz Última' 

sábado, 1 de setembro de 2018

Biblioteca







Nas sociedades contemporâneas, a leitura (em contexto escolar, profissional ou de lazer) assume um papel importantíssimo na promoção do desenvolvimento cultural, científico, político e, consequentemente, económico dos povos e dos indivíduos. Por isso, tanto se tem reflectido sobre a forma de incentivar e motivar as pessoas para a leitura, em especial as crianças e os jovens, que ainda não criaram e enraizaram esse hábito tão enriquecedor.

domingo, 15 de julho de 2018

Na Mão de Deus


Na mão de Deus, na sua mão direita, 
Descansou afinal meu coração. 
Do palácio encantado da Ilusão 
Desci a passo e passo a escada estreita. 

Como as flores mortais, com que se enfeita 
A ignorância infantil, despojo vão, 
Depois do Ideal e da Paixão 
A forma transitória e imperfeita. 

Como criança, em lôbrega jornada, 
Que a mãe leva ao colo agasalhada 
E atravessa, sorrindo vagamente, 

Selvas, mares, areias do deserto... 
Dorme o teu sono, coração liberto, 
Dorme na mão de Deus eternamente! 

Antero de Quental, in "Sonetos" 

Mil Escudos

                            6A23742907                             Mil Escudos                                   ch.12          Lisboa...