domingo, 15 de julho de 2018

Na Mão de Deus


Na mão de Deus, na sua mão direita, 
Descansou afinal meu coração. 
Do palácio encantado da Ilusão 
Desci a passo e passo a escada estreita. 

Como as flores mortais, com que se enfeita 
A ignorância infantil, despojo vão, 
Depois do Ideal e da Paixão 
A forma transitória e imperfeita. 

Como criança, em lôbrega jornada, 
Que a mãe leva ao colo agasalhada 
E atravessa, sorrindo vagamente, 

Selvas, mares, areias do deserto... 
Dorme o teu sono, coração liberto, 
Dorme na mão de Deus eternamente! 

Antero de Quental, in "Sonetos" 

quinta-feira, 12 de julho de 2018

Evolução

Fui rocha em tempo, e fui no mundo antigo
tronco ou ramo na incógnita floresta...
Onda, espumei, quebrando-me na aresta
Do granito, antiquíssimo inimigo...

Rugi, fera talvez, buscando abrigo
Na caverna que ensombra urze e giesta;
O, monstro primitivo, ergui a testa
No limoso paúl, glauco pascigo...

Hoje sou homem, e na sombra enorme
Vejo, a meus pés, a escada multiforme,
Que desce, em espirais, da imensidade...

Interrogo o infinito e às vezes choro...
Mas estendendo as mãos no vácuo, adoro
E aspiro unicamente à liberdade.

Antero de Quental, in "Sonetos" 

segunda-feira, 9 de julho de 2018

Um poema - Miguel Torga

Um Poema


Não tenhas medo, ouve:
É um poema
Um misto de oração e de feitiço...
Sem qualquer compromisso,
Ouve-o atentamente,
De coração lavado.
Poderás decorá-lo
E rezá-lo
Ao deitar,
Ao levantar,
Ou nas restantes horas de tristeza
Na segura certeza
De que mal não te faz.
E pode acontecer que te dê paz... 

Miguel Torga – 19/09/2007

Mil Escudos

                            6A23742907                             Mil Escudos                                   ch.12          Lisboa...